voltar - back - retour


Viriato Gouveia



 

excertos do livro

"Palavras Tecidas"

edição do

Município de Oliveira do Hospital

*****

Notas sobre o autor

Iluminação Pública em Aldeia das Dez

Poeta é o Povo

Remar

Quadras

Recordando o Dr. Vasco de Campos

Este chão que eu amei tanto

Não Peço Nada



 


 

 

 

 


 

Iluminação Pública em Aldeia das Dez

 

Em 24 de Dezembro de 1912, foi inaugurado em Aldeia das Dez um sistema de iluminação pública, alimentada a carbureto, com candeeiros de ferro iguais aos que então já existiam em Oliveira do Hospital, apenas com ligeiras alterações no depósito e ventilação. Esses candeeiros, em princípio 8, foram feitos em Aldeia das Dez pelo arrematante da obra, Francisco Dias da Silva, na sua oficina de serralharia ao preço de 8$00 cada um. Pagos depois de os candeeiros serem pintados a verde, chumbados nos seus devidos lugares com segurança e a dar luz.

 

Por concurso foi contratada uma pessoa, para acender os candeeiros todas as noites e tratar da sua conservação. As condições do concurso eram as seguintes: Obrigações: 1º o arrematante é obrigado a acender os candeeiros todas as noites ao escurecer; 2º as noites em que a lua alumiar bem claro, duas horas depois do escurecer, o arrematante carregará os candeeiros só com meia carga, não havendo nuvens no ar; 3º se a lua alumiar bem claro e não houver nuvens no ar uma hora depois do costume de acender os candeeiros, essa noite o arrematante não é obrigado a acender os candeeiros; 4º o arrematante é obrigado a fornecer todos os bicos que sejam precisos para os candeeiros; 5º o arrematante é obrigado a ter os candeeiros acesos nos dias de sábado e domingo do Espírito Santo.

 

Responsabilidades: 1º o arrematante é responsável e pagará todos os vidros que partir; 2º o arrematante pagará o prejuízo que possa haver em qualquer candeeiro, quando seja por meio de explosão, dando ao candeeiro luz a mais.

 

Penalidades: o arrematante pagará a multa de duzentos reis, por cada noite que falte a acender os candeeiros no tempo marcado; 2º o arrematante é expulso em qualquer tempo e perde metade do seu vencimento, quando distribua em utilidade própria o material das luzes ou qualquer utensílio dos mesmos.

Pagamento: 1º o arrematante receberá por uma só vez o seu vencimento que será pago no dia 25 de Dezembro de cada ano.

 

Aldeia das Dez,, 8 de Dezembro de 1912.

 

O Presidente: Manuel Nunes Dias.

O arrematante: Joaquim Albino.

O fiador: António Augusto do Amaral.

 

| topo da página |


 


 

Poeta é o Povo

 

O povo é alguém

Que vive contente

sem pisar ninguém.

 

Poeta é quem ama

a terra e a gente

Poeta é quem canta

Poeta é quem sente.

 

Poeta é quem olha

O mundo em redor

À espera de ver

Um tempo melhor.

 

Poeta é quem escreve

O que a alma dita

Quando a pena é leve

Suave é a escrita.

 

Poeta é quem ouve

Uma ave cantar

E em voo suave a deixa voar.

 

Poeta é quem canta

E chora também

Quando chega a hora

De chorar alguém.

 

Poeta é a minha alma

Que sente o que diz

E o que ouve e vê

Não a faz feliz.

 

Poeta é quem pensa

Sem culpar ninguém

Na enorme diferença

Entre o mal e o bem.

 

| topo da página |


 


 

É mais difícil remar

Neste mar tempestuoso

Quem nos leva a navegar

Para chegar a bom porto.

 

Herdei o sol e o vento

A vida foi-me emprestada

Moro no largo do tempo

Deus sabe a minha morada.

 

Triste o vento no deserto

Sem sombras para agitar

Meu amor de mim tão perto

E não o posso abraçar.

 

O vento passa e não diz

Nada do que eu quero ouvir

Sempre a correr e feliz

Sem ter casa p'ra dormir.

 

É tão efémera a vida

Inconstante enganadora

Quando a julgamos vencida

Vence-nos ela, traidora.

 

Meu amor foi p'ró Alentejo

Trabalhar na agricultura.

Despediu-se dei-lhe um beijo

P'ra lhos dar tenho fartura.

 

Fim de século e de milénio

Na eternidade do tempo

Para quem o passa é um prémio

Que dura um só momento

 

Subi o monte para ouvir

A voz de Deus mais pertinho

De mim que lhe ando a pedir

Um mundo com mais carinho.

 

P'ra me acompanhar a onde

Me leva o meu coração

Que dolorido se esconde

Nas margens da solidão.

 

Lá no alto só o vento

A mim se vem abraçar

E leva o meu pensamento

A onde eu quero chegar.

 

Lá no alto no altinho

Muda a paisagem de cor

Senhora do Colcurinho

Desta serra do Açor.

 

| topo da página |


 


 

Fiz uma quadra de amor

Para te oferecer em segredo

Diz-me onde a hei-de pôr

De perde-la tenho medo

 

Riem os meus olhos por dentro

Se vejo sorrir os teus

Só de vê-los me contento

Ai Jesus valha-me Deus

 

De olhos fechados eu sei

Pisar as pedras da rua

Para estar com o meu bem

Mesmo nas noites sem Lua

 

Deste-me um lenço bordado

Para pôr na minha algibeira

Eu dei-te o meu coração

Para guardar a vida inteira

 

Pus o lenço que me deste

Todo bordado a preceito

No bolso do meu casaco

Do lado esquerdo do peito

 

Giram as aves no ar

Gira a mó moendo o grão

Giras tu daqui para ali

Moendo o meu coração

 

Não me chames eu não vou

Tenho pressa de ficar

A correr é que aqui estou

Sem sair deste lugar

 

Leva-me contigo eu aceito

Dormir sem cama no chão

Já me basta onde estiver

Ouvir-te a respiração.

 

| topo da página |


 


 

Recordando o Dr. Vasco de Campos

 

Vinha das margens de um rio de águas claras,

Correndo por entre alas de amieiros verdejantes,

Um Búzio feito livro de poemas com quadras raras,

Lembrando Avé-Marias, cantadas como era dantes.

 

Subiu a encosta, bateu-me à porta, eu fui abrindo

E ainda surpreso, com a visita que ia chegando,

Avidamente comecei lendo e foi tão lindo,

Ver Pais e Filhos, Avós e Netos o amor cantando.

 

É por milagre que um Búzio sabe assim ecoar,

Longe do mar à beira de um rio de águas lavadas,

Entre montanhas que a natureza quis enfeitar

E dar de presente à Ponte das Três Entradas.

 

| topo da página |


 



Este chão que eu amei tanto

Este chão que eu amei tanto
Feito de terra aradia
Onde passeio e me encanto
Tudo me ofertou um dia.
Tudo me deu de bom grado
Mas com alguma ironia,
Zeloso deu-me um recado,
Faremos contas um dia.
Agora segue os teus passos,
És livre p'ra caminhar,
Para ocupar os teus braços,
Tens toda a terra p'ra arar
E no seu seio encontrar,
Ouro prata diamantes,
Mil paisagens verdejantes,
Onde o Sol vem descansar,
Como amante estouvado,
De manhã ao acordar,
Em delírio apaixonado.
A terra tudo me oferta,
Em doação completa,
As mais variadas flores,
Em cambiantes de cor,
Nascentes de água a correr,
Onde a sede vai beber;
Ó terra, mas quem não sente?
Que p'ra tudo tens guarida,
Tudo guardas no teu ventre,
És criadora de vida
Em gestação permanente
E guardas de igual maneira,
Desde a árvore ao Céu erguida
À simples erva rasteira,
Tudo crias e consomes,
Imperturbável, serena,
Como a Natureza ordena,
Princípio meio e fim.
Ela que foi meu conforto
Agora chama por mim,
Quer que eu lhe dê o meu corpo,
Agora depois de usado,
Já gasto e enrugado,
Quer por fim agasalhá-lo,
E no seu seio apertá-lo,
Diz que nele também tem parte.
Ó terra amiga, meu chão,
Entendo a tua razão,
Nada quero recusar-te,
O meu corpo eu posso dar-te,
Mas a minha alma... Não.

 

| topo da página |


 


 

Não peço nada

Não peço nada, já tenho
O olhar cheio de esperança,
No futuro que antevejo,
No riso de uma criança.

Tudo o que Deus me quis dar,
Aceitei de boa mente,
Um par de olhitos a olhar,
Para o meu rosto contente.

À paisagem de onde venho,
Não peço nada, já tenho
Tudo o que Deus me quis dar.


Somente quero pedir,
A quem manda, para abrir,
As portas p'rá Paz passar.

 

| topo da página |


 


 

POETA VIRIATO GOUVEIA


O Poeta Viriato Gouveia nasceu na freguesia de São Bartolomeu de Aldeia das Dez criada por carta de licença do Bispo de Coimbra Dom Jorge de Almeida aos dezasseis dias do mês de Julho de 1543.


Foi nesta encantadora povoação onde as flores passeiam pelas ruas, aos magotes, deliciando os olhos e perfumando os sentidos; foi neste imenso miradouro que a vista mal alcança onde as leiras, aos solavancos, escorregam vertente abaixo, beijando as margens do Alvôco ou trepam, em anfiteatro, afagando os píncaros do Colcurinho onde, em 1381, foi construída a primeira capela.


Foi nesta maravilhosa povoação, repetimos, que tinge e encanta os olhos exaltando o pensamento; neste caleidoscópio de luz e cor que teve a honra de nascer o Poeta Viriato Gouveia.


Sobre a sua obra já o ilustre poeta, escritor e jornalista Carlos Maia Teixeira se pronunciou em artigo publicado em "A Comarca de Arganil" e nos seguintes termos: "a sua poesia é terra que alimenta esperanças renovadas; é bravura e é ternura (quiçá as melhores qualidades de beirão) e que nos sedenta de Serra". E ilustra a Nota de Abertura com os poemas "Natal", "Outono", "poeta é Povo" e "Numa ida ao cimo do Monte do Colcurinho em Abril de 1976.


Mas Viriato Gouveia tem mais, muitos mais poemas de excelente carisma que bem merecem ser divulgados como, por exemplo, "Romeiros de outros tempos a Nossa Senhora das Preces", "um manto de flores cobriu a Terra" maravilhoso soneto que passamos a transcrever:


"Um manto de flores cobriu a Terra,

Oferta da Natureza criadora,

Quando em Março chegou a primavera,

Vestida de ouro e luz, real senhora.

Enfeitou toda a paisagem e por fim,

Perante a confusão que vai reinando,

Perguntou: quem destrói este jardim.

Que eternamente eu vos venho ofertando.


Desculpa natureza; oh bem amada,

Refugio onde me acoito e sinto bem,

A culpa é da ambição que é desregrada.


O Homem, cedendo à lei mundana,

Não sabe descobrir que tu és mãe

E do teu ventre toda a força emana."


O Poeta adornou esta composição com uma linguagem escorreita, melódica, onde o pensamento aviva os ritmos.
É nosso desejo recordar ainda o poema

 

NO COLCURINHO À BEIRA DA NATUREZA


"Basta-me o ar que respiro

De madrugada sentado

À beira do mês de Abril

Paisagem de chão molhado.


Basta-me escutar o canto.

Das aves que vão noivar

Num rodopio de encanto

Milagre a continuar.


Basta-me o sol e o vento

A água fresca a correr

Neste cenário que invento

Sem poluição a crescer.

Basta que a minha alma cante

Basta que o sol brilhe nela

Luz viva e cintilante

A emergir da procela.


Basta amar a natureza

Basta nada e tudo ter

Descobrir toda a beleza

Da aurora ao amanhecer.


Basta o amor a reinar,

A verdade a dirigir;

A paz a secretariar

E a justiça a presidir.


O Poeta Viriato Gouveia tem paixão pelas alturas, pelas sendas alcantiladas que se espraiam Açor além até aos píncaros do Colcurinho, cenários que retratam com maestria e inunda de luminosidade.


Mas há mais, muitos mais poemas que bem mereciam figurar nos escaparates das Livrarias como, por exemplo, "Os sinos da minha aldeia", "Ao senhor Fernando Vale", "À memória de Adelino Gonçalves", etc.,etc.
Mas há uma recordação que queremos ainda reproduzir:


"A fonte do meu lugar

Ponto de encontro prá amar

Noutro tempo à noitinha

Está para ali a chorar

Por ninguém lá ir buscar

A sua água fresquinha.

Cântaros de barro à cabeça

Já não há quem os conheça

Na elegância do andar
Das moças namoradeiras

Acabaram as cantareiras

Que dantes havia no lar.
Lembra a fonte com saudade

Segredos da mocidade

Devaneios do coração:

Hoje há água da rede

E ninguém lá mata a sede

De amar que havia então.

Em ti bebeu tanta gente

Foste minha confidente

Oh fonte da minha aldeia

Peço-te perdão a cantar

Por nunca mais me sentar

No banco que te rodeia.
A minha fonte esquecida

Sempre fiel e amiga

Merece aqui ser lembrada.

Porque após tanto enredo

Do que ouviu guardou segredo

Do que viu não contou nada".


Mas Viriato Gouveia é um poeta em toda a extensão do conceito. Em livro manuscrito, dedicado ao seu pai, podem ler-se mais de quatro centenas de quadras tecnicamente bem urdidas, encerrando pensamentos completos, por vezes profundos, em obediência às exigências destas estrofes.
Vejamos alguns exemplos:

Passam as horas e os dias

E os meses sempre a correrem

Passam os anos a fio

Passa a vida sem se ver.


Nuvens negras são prenúncio

Da chuva que vai chegar

O teu sorriso o anúncio

Do sol que há-de voltar.


Pedi ao Sol certo dia

Que mais cedo se deitasse

O meu amor não viria

Enquanto no céu brilhasse.


Sou do mundo sou de Deus

Eu sou do meu Pai também

ertenço a todos os meus

Eu sou de quem me quer bem.


É uma edição manuscrita que bem merecia ser editada.


Tarquínio Hall

(Oliveira do Hospital)

 

| topo da página |

 


Ao Sr. Viriato Gouveia o nosso agradecimento pela permissão

 de aqui editar excertos do seu trabalho literário.

Edição de João Gonçalves.

c h a o s o b r a l @ y a h o o . c o m

 

2007-08 | aldeiadasdez.chaosobral.org

c h a o s o b r a l . o r g

Sítio alojado em TugaNET.pt

 

voltar - back - retour